POR AMOR A DEUS
(22º Domingo do Tempo Comum – Ano A – 1ª leitura Jr 20,7-9; Sl 62, 2ª leitura; Rm 12, 1-2; Evangelho: Mt 16 21-17)
“Seduziste-me, Senhor e eu me deixei seduzir! Dominaste-me e obtiveste o triunfo.” Jr 20,7.
Essas palavras do Profeta Jeremias mostram o modo de agir de nosso Deus amante que nos seduz com Seu infinito amor para Ele mesmo. Que Deus nos ama, o diz toda Bíblia, este é o grande testemunho de toda Revelação Divina.
Está escrito: “Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu Seu Filho Único, para que todo o que Nele crer não pereça, mas tenha a Vida Eterna.” Jo 3,16 e também: ”Nem as alturas nem os abismos, nem outra qualquer criatura nos poderá apartar do amor que Deus nos testemunha em Cristo Jesus, Nosso Senhor.” Rm 8,39.
Carregar a Cruz.
É da própria essência de Deus o ato de amar, porque “Deus é amor” 1 Jo 4,8 e a iniciativa do amor é sempre de Deus: ”Mas amamos porque Deus nos amou primeiro.” 1 Jo 4,19. Este amor de Deus quer ser amado, por isso criou-nos. No Antigo Catecismo de São Pio X é dito deste modo: “O homem foi criado à Imagem de Deus porque é capaz de conhecer, amar a Deus e gozá-lo eternamente.” E no atual Catecismo é expressa a mesma idéia: “Deus criou tudo para o homem, mas o homem foi criado, para servir e amar a Deus e oferecer-lhe toda a criação.” CIC 358
Deus é quem coloca em nosso coração o desejo de amá-Lo, buscá-Lo; na tão conhecida frase de Santo Agostinho encontramos tal realidade: “Fizeste-nos para Ti, Senhor e nosso coração está inquieto até que descanse em Ti.” Confissões I, 1.
O Catecismo da Igreja ensina também sobre isto: “O desejo de Deus é um sentimento inscrito no coração do homem, porque o homem foi criado por Deus e para Deus. Deus não cessa de atrair o homem e só em Deus o homem encontra a verdade e a felicidade que procura sem descanso.” CIC 27.
Este amor de Deus que nos seduz nos atrai, nos envolve, faz com que O amemos apaixonadamente, O busquemos com verdadeira sede. É o que rezamos no Salmo desta Missa; “A minha alma tem sede de Vós, como a terra sedenta, ó meu Deus.” Do Sl 62.
O Salmo em seus versículos vai expressando esta busca apaixonada por Deus: “Ó Deus, Vós sois o meu Deus, com ardor Vos procuro. Minha alma está sedenta de Vós, minha carne por Vós anela como a terra árida e sequiosa, sem água. Porque Vossa graça me é mais preciosa do que a vida” Sl 62, 2.4
Esta busca, esta sede, esta saudade de Deus, certamente provoca dor. Dor porque não amamos a Deus como Ele nos ama; dor porque buscamos a Deus, e Ele algumas vezes parece esconder-Se; dor, pois não O vemos amado por tantas outras pessoas.
O Profeta Jeremias na leitura de hoje queixa-se das conseqüências dolorosas deste amor: “Sou objeto de contínua irrisão, e todos zombam de mim. Cada vez que falo é para proclamar a aproximação da violência e devastação. E dia a dia a Palavra do Senhor converte-se para mim em insultos e escárnios.” Jr 20,8.
A dor, os sofrimentos do Profeta são conseqüência dele ter se deixado seduzir pelo Amor de Deus.Este mesmo amor que o faz sofrer é comparado por ele a um fogo: “E, a mim mesmo, eu disse: Não mais o mencionarei e nem falarei em Seu Nome. Mas em meu seio havia um fogo devorador que se me encerrara nos ossos. Esgotei-me em refreá-lo, e não o consegui.” Jr 20,9 Esta ligação dor–amor a vemos em muitos outros trechos da Bíblia, mas especialmente em Cântico dos Cânticos. A amada não encontra o amado e sai a procurá-lo: “Abri ao meu bem amado, mas ele já se tinha ido, já tinha desaparecido, ouvindo-o e não o encontrei; chamei-o, mas ele não respondeu” Ct 5,6. Mas, notem bem conta-se em seguida que na busca do amado, a amada leva uma surra, o que não me parece nada romântico: “Os guardas encontraram-me, quando faziam sua ronda na cidade. Bateram-me, feriram-me, arrancaram-me o manto os guardas das muralhas.” Ct 5,7.
Um judeu uma vez me disse que na Bíblia Hebraica, Cântico dos Cânticos é o livro que imediatamente precede o Livro de Jó. O que ressalta essa ligação entre amor e dor.
São José Maria Escrivá, fundador do Opus Dei, escreveu: “Não esqueças que a dor é a pedra de toque do amor.” Caminho, 439.
Outro Padre espanhol anterior a São José Maria Escrivá, São João da Cruz, já cantava sobre este amor: “Porque, pois, hás chagado este meu coração e não o saraste? E já que o hás roubado, porque assim o deixaste, e não tomas o roubo que roubaste?” Cântico Espiritual, Poema, 9. “Oh Chama de Amor Viva, que ternamente feres de minha alma no mais profundo centro! Pois não és mais esquiva, acaba, já se queres, Ah! Rompe a tela desse doce encontro. Oh cautério suave! Oh! Regalada chaga! Oh branda mão! Oh toque delicado.” Chama Viva de Amor, Poema, 1-2.
O próprio Senhor Jesus no Evangelho de hoje, exorta-nos: “Se alguém quiser vir Comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua Cruz e siga-Me porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas aquele que tiver sacrificado a sua vida por Minha causa, recobrá-la-á.” Mt 16, 24-25.
Jesus pede para que tomemos nossa Cruz, e a Cruz será nosso sinal de amor por Cristo. Como Cristo demonstrou o Seu amor por nós na Cruz. Foi na Cruz que tivemos a certeza de quanto Deus nos ama, até que extremo de loucura o amor pode chegar!
E a Cruz, não foi o ponto final, Cristo ressuscitou, e permanece vivo na Santíssima Eucaristia, e na aparência de pão, está a Vítima que continua oferecendo-Se por nós em cada Missa. Quanto amor, que tamanho sacrifício. Quando somos provados pela dor, que nós descobrimos o tamanho do amor que temos por Deus.
Querer nesta vida terrena a ausência de sofrimentos, querer chegar ao Céu, sem passar pela Cruz, esta é a verdadeira insensatez. Vemos no Evangelho de hoje, Simão que acabara de ser constituído Rocha da Igreja ser severamente repreendido por Jesus: “Mas, Jesus, voltando-Se para Pedro, disse-lhe: Afasta-te, satanás! Tu és para mim um escândalo, teus pensamentos não são de Deus, mas dos homens” Mt 16,23.
Porque Pedro é repreendido? Porque ele protesta diante da realidade que o Cristo terá de passar pela Cruz: “Desde então Jesus começou a manifestar a Seus discípulos que precisava ir a Jerusalém para sofrer muito da parte dos anciãos, dos príncipes, dos sacerdotes e dos escribas; seria morto, e ressuscitaria ao terceiro dia. Pedro então começou a interpelá-Lo e protestar nestes termos: que Deus não permita isto, Senhor! Isto não Te acontecerá!” Mt 16, 21-22.
Todas as vezes que rejeitamos a dor no caminho do Amor, estamos pensando apenas humanamente, estamos opondo-nos ao projeto de Deus, estamos compartilhando da obra de satanás.
Profeta Jeremias
Muitas pessoas não querem permanecer no caminho de Deus, porque nele encontram a dor, e o sofrimento. Mais curioso é o seguinte: por um amor humano, por uma grande paixão humana uma pessoa é capaz de se humilhar, arrastar-se, anular-se, fazer grandes sacrifícios. Um amor terreno que muitas vezes decepciona, não corresponde, despreza, atraiçoa. E ao Amor de Deus que tanto nos busca não somos capazes de um mínimo sofrimento, de uma pequena renúncia. A segunda leitura traz um conselho que é um verdadeiro desafio: “Eu vos exorto, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus a oferecerdes vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a Deus: Este é o vosso culto espiritual.” Rm 12,1.
Esta entrega total de alma e de corpo, este culto espiritual que propõe o Apóstolo, só é valido se feito com liberdade e consciência. Não basta sofrer, irmãos deve-se saber para quê se sofre, irmãos, deve-se colocar diante dos olhos, quando se está sofrendo, uma grande finalidade: A salvação dos irmãos, a Glória de Deus, por amor a Deus. Jesus o tempo todo tinha diante de Si o Seu destino, o Evangelho de hoje afirma: “Jesus começou a manifestar a Seus discípulos que precisava ir a Jerusalém e sofrer muito...” Mt 16,21.
Ele sabia o que Lhe aguardava, e caminhou livremente para o Seu sacrifício, unicamente por amor. Eis o grande modelo do Salvador imitemo-lo, sigamos a Ele, carregando nossa Cruz de cada dia. Recordemos que Jesus não só dá o exemplo de como carregar a Cruz, Ele a carrega conosco, Ele nos dá a Sua força, basta confiar!
Peçamos ao Senhor, esta força que é o Espírito Santo, Ele é o Amor de Deus que nos transmite o Dom da Fortaleza, para perseverarmos por amor de Deus, ainda que sejam difíceis os obstáculos e pesada nossa Cruz.
Ouçamos São Bernardo que fala deste sublime Amor de Deus: “Quando Deus ama não quer outra coisa se não ser amado, já que ama para ser amado; porque bem sabe que serão felizes pelo amor, aqueles que O amam. Mesmo, que a criatura ame a Deus menos do que por Ele é amada, porque a criatura é menor, se a criatura amar com tudo o que é, haverá de dar tudo.” Sermão 83 sobre Cântico dos Cânticos.
Por este motivo, peçamos que o Espírito Santo nos inflame, nos abrase deste Amor, que amemos a Deus plenamente, que tudo façamos por amor a Deus. Se tivermos que passar por um longo sofrimento, passemos sim, por amor a Deus. Se tivermos que suportar uma pessoa difícil, suportemo-la, por amor a Deus. Quando tudo é difícil e a vontade é tudo abandonar, continuemos adiante, por amor a Deus. Se de manhã não é fácil levantar para enfrentar os desafios do dia a dia e fazer as mesmas coisas, coloquemos um sorriso no rosto e levantemos por amor a Deus!
O Evangelho de hoje termina com uma consoladora promessa do Redentor: “Porque o Filho do Homem há de vir na glória de Seu Pai com Seus Anjos, e então recompensará a cada um segundo suas obras.” Mt 16,27 E tantas vezes pensamos que serão as grandes obras que fazemos que hão de ser recompensadas, isto também pode acontecer. Porém, devemos sempre lembrar que Nosso Senhor não recompensa tanto o tamanho das obras que fazemos, mas, muito mais o tamanho do amor que colocamos em cada uma de nossas boas obras. Se uma grande obra é feita para simplesmente para chamar a atenção, não terá grande valor diante de Deus; e por outro lado uma pequena obra feita com muito Amor a Deus terá um grandíssimo valor diante Dele e maior recompensa.
Mãe do Belo Amor.
A Virgem Maria é modelo de Amor a Deus, entre as criaturas todas não há nenhuma que tenha amado a Deus na mesma medida que ela. Alguém já refletira que a Virgem Santa carregando um balde de água do poço para dentro de sua casa, tinha mais mérito do que o martírio de São Lourenço na grelha. Porque o menor ato da Virgem tinha maior amor a Deus do que o de todos os Santos e Anjos juntos. Que ela, Mãe do Belo Amor, encha-nos sempre do Amor a Deus, para que mesmo em meio às adversidades deste mundo, nós comecemos aqui o nosso Céu. Pois, o Céu nada mais é do que amarmos a Deus totalmente e para sempre.